A ASCENSÃO E TRANSUBSTANCIAÇÃO DE JESUS

A ASCENSÃO E TRANSUBSTANCIAÇÃO DE JESUS

Considerando-se que a morte, no sentido corrente, é de uma só espécie, ou seja, é constituída pela separação realizada entre a alma (psychê) e o corpo (sôma), temos que procurar o sentido desse “ensino de Jesus”, que parece ter-se afastado exatamente do sentido normal e corriqueiro: o Mestre falou de outra “espécie” de morte. Plutarco (Morales, 942 f) esclarece o pensamento da época quando escreve: “a primeira morte
(thánatos) “separa a alma (psychê) do corpo (sôma); a segunda morte (thánatos) separa a mente (noús) da alma (psychê)”. O mesmo autor fala da iniciação (teleutãn) com essas mesmas palavras (cfr. Crasso, 25) e o mesmo é dito por Dionísio de Halicarnasso (Antiquitates Romanae, 4,76).
Ora, em todos os ritos iniciáticos de todas as Escolas, inclusive até hoje na Maçonaria, houve e há a compreensão de duas mortes. E René Guénon (“Aperçus sur l'Initiation”, Paris, 1953, pág. 178) escreve: “A morte iniciática excede as contingências inerentes aos estados particulares do ser e tem, por consequência, valor profundo e permanente do ponto de vista universal”. E prossegue em suas considerações, firmando o sentido da palavra “morte” como exprimindo “toda mudança de estado, que sempre constitui duplo processo: morte para o estado antecedente e nascimento no estado consequente”. portanto, a morte do iniciado expressa o abandono da vida profana para que se nasça à vida espiritual, que é justamente a espécie de morte que ocorre na iniciação ao terceiro grau da Maçonaria e na “ordenação sacerdotal” na igreja católica.
O candidato à iniciação deve passar pela escuridão total, antes de penetrar na verdadeira luz espiritual. E vimos que, durante a crucificação de Jesus, os evangelistas falam nas trevas que ocorreram (Mat. 27:45, Marc. 15:33 e Luc. 23:44) além do que narram seu encerramento no túmulo de pedra, durante o qual se deu - como sempre ocorria nas verdadeiras iniciações - a descida ao hades. Só depois disso o iniciado se erguia (ressurreição) como nova criatura, totalmente libertado dos laços materiais densos. Essa era a primeira morte e esse o segundo nascimento, embora se realizasse, mais tarde, a segunda morte e o terceiro nascimento, quando se abandonava esse segundo estado (plano psíquico) para renascer no terceiro estado (plano espiritual), que então constituía a libertação total não apenas da matéria densa, mas até mesmo do psiquismo, com domínio absoluto sobre os corpos inferiores; e isso também ocorreu com Jesus, na conhecida cena da ascensão.
Tudo isso, consta das páginas do Novo Testamento, confirmando nossa interpretação.
A morte iniciática era, portanto, de uma espécie diferente da morte comum. Os egípcios a denominavam “morte de Osíris” e, para realizar esse rito da pseudo-morte construíram algumas das pirâmides (a de Khéops, por exemplo). E só essa construção
bastaria para demonstrar-nos o alto valor espiritual que era atribuído a esse rito. Já estudamos um caso desses em o Novo Testamento (vol. 6, que convém reler e reestudar), ocorrido com Lázaro. Mas não parou aí o ensino dessa espécie de morte, pois nas cartas de Paulo (anteriores, no tempo, à redação dos Evangelhos) encontramos vários trechos. alusivos a esse rito. Bastar-nos-á, como comprovação, citar alguns.
Aos ROMANOS (6:2-11): “Nós, que já morremos ao erro (ilusão), como viveremos ainda nele? Porventura ignorais que todos os que fomos mergulhados em Cristo Jesus, fomos mergulhados em Sua morte? Fomos, pois sepultados com ele na morte pelo mergulho, para que, como Cristo se levantou dos mortos pela substância do Pai, assim também nós caminhemos em novidade de vida. Se a ele fomos unificados na semelhança de Sua morte, também o veremos, certamente, em Seu reerguimento, reconhecendo isso: que o homem velho foi crucificado com ele, para que seja destruído o corpo do erro (o corpo da ilusão), a fim de que não sirvamos mais ao erro (à ilusão da carne). Porque, o que morreu, está justificado do erro. Mas, se já morremos com Cristo, vemos que também vivemos com ele, sabendo que, já que Cristo se levantou dos mortos, ele já não morre mais, pois a morte não o domina mais. Pois morrer, Ele morreu uma só vez ao erro, mas viver, Ele vive para Deus (para o Espírito). Assim, vós também, compreendei  estar mortos ao erro (à ilusão), mas vivos para Deus (para o Espírito), em Cristo Jesus”.
Aos CORINTIOS (1.ª, 15:45-47): “O primeiro homem, Adão, foi feito em alma vivente, o último Adão em espírito vivificante. Mas não é primeiro o espiritual, e, sim, o animal, e depois o espiritual: o primeiro homem é da terra, é terreno; o segundo homem é do céu”. E mais: “Por isso não fraquejamos: mas embora em nós se destrua o homem exterior, o homem interior se renova dia a dia” (2.ª, 4:16).
Aos EFÉSIOS (2:14-16): “Pois Ele (Jesus) é nossa Paz, Ele que dos dois fez um e destruiu o muro da separação, a oposição, pois aboliu em sua carne a lei dos mandamentos contidos nos preceitos, para que, dos dois Ele criasse em Si mesmo um homem novo, fazendo assim a paz, e reconciliasse ambos num só corpo, com Deus, por meio da cruz, tendo por ela matado a oposição”.
Aos COLOSSENSES: “Se morrestes com Cristo (2:20) e fostes reerguidos juntamente com Cristo, buscai as coisas de cima (3:1). Pois morrestes, e vossa vida está escondida com Cristo em Deus. (3:3)”. Podemos entrever, nas entrelinhas, o ensino de Jesus a que se refere João: o Mestre ensinou-lhes a “espécie de morte” a que se submeteria, a morte iniciática, em que separaria temporariamente a psychê do sôma, com a descida ao hades, e depois regressaria ao sôma já vencedor e como nova criatura.
FONTE: [Sabedoria do Evangelho]

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