A ÉTICA ESPÍRITA


A Ética Espírita

1. Ética e Moral

A Ética (do grego ethika) é a parte da Filosofia que estuda os valores morais e os princípios ideais da conduta humana. Relaciona-se com os costumes, sendo chamada ciência da conduta e ciência da moral, cujo objetivo é o julgamento e a distinção entre o bem e o mal.
A Ética teve origem na Grécia, com Aristóteles (384-322 a.C.), o qual utilizou esse nome pela primeira vez em seu livro Ética a Micômaco.
Afirma Marilena Chauí:
"—   Toda cultura e cada sociedade institui uma moral, isto é, valores concernentes:
Ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, e à conduta correta e incorreta.
No entanto, a simples existência da moral não significa a presença explícita de uma ética, entendida como filosofia moral, isto é, uma reflexão que discuta, problemize e interprete o significado dos valores morais."
A distinção entre ética e moral é, todavia, tênue. Já na Roma antiga, Cícero (106-43 a.C.) dizia que eles denominavam moral o que os gregos chamavam de ética.
Com Jesus Cristo, os conceitos éticos assumiram nova dimensão, como se depreende das palavras do Espírito Carlos Torres Pastorinho, no recente livro Impermanência e Imortalidade, "Ética e razão"':
"Foi Jesus que apresentou o amor como fundamental para a vida, dando início ao primado do dever e da moral como essenciais à felicidade humana. Antes d´Ele, os princípios da ética moral eram graves, especialmente em Israel, atados às leis severas, estabelecidas por homens cruéis, mais interessados em punir, em vingar-se do que em educar e corrigir.
Desde a Pena de Talião, que Ele substituiu pela do perdão, mediante o qual é concedido ao infrator a reabilitação, não ficando isento da responsabilidade do erro e das suas consequências, mas facultando-lhe possibilidades de retribuir à sociedade em bens os males que praticou."
Surge, assim, a ética cristã, fundamentada nos ensinos do Mestre Nazareno. Pedro e seus companheiros vivenciam o amor e praticam a caridade na Casa do Caminho. Paulo de Tarso dá-lhe consistência, traçando diretrizes de ordem comportamental aos gentios em suas memoráveis Epístolas, das quais destacamos estes preceitos:
"—   Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem" (Romanos, 12:21);
"—   Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm; todas são lícitas, mas nem todas edificam" (I Coríntios, 10:23);
"—   Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim", e reforça com seu exemplo:  (Gálatas, 2:19-20).
Com o correr do tempo e o predomínio da Igreja, depois, com a Reforma Protestante, a ética cristã foi sendo adaptada às concepções da Teologia;
Na medida em que o comportamento humano era influenciado pelo temor a Deus, pela crença no pecado, nas penas eternas, em que a salvação da alma era condicionada à submissão aos dogmas e sacramentos, ou à fé em Cristo.
Iniciada no século XVII a Era da Razão, a partir de René Descartes (1596-1650), passando pelos filósofos do Iluminismo, até Jean-Jacques Rousseau (1712-1799) e Emmanuel Kant (1724-1804), no século XVIII, as reflexões éticas prepararam o pensamento humano para o advento do Consolador prometido por Jesus, destinado a reconduzir a ética cristã à sua pureza original.

2. Ética e Doutrina Espírita:

Em nossa pesquisa, não encontramos menção à Ética nas obras da Codificação Kardequiana e na Revista Espírita. Todas as referências se reportam à Moral, cujo conceito espírita se confunde com o de Ética, como podemos conferir nas respostas dos Espíritos Reveladores às questões 629 e 630 de O Livro dos Espíritos (Ed. FEB), formuladas por Kardec:
629. Que definição se pode dar da moral
—   A moral é a regra de bem proceder, isto é, de distinguir o bem do mal. Funda-se na observância da lei de Deus.O homem procede bem quando tudo faz pelo bem de todos, porque então cumpre a lei de Deus.
630. Como se pode distinguir o bem do mal?
—   O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal, tudo o que lhe é contrário. Assim, fazer o bem é proceder de acordo com a lei de Deus. Fazer o mal é infringi-Ia.  
Na obra Filosofia Espírita da Educação  Ney Lobo acentua que, como "existe a Filosofia Espírita, deve, forçosamente, corresponder-lhe determinada ética, a Ética Espírita" (destaque do autor).
Os princípios da Doutrina Espírita, em seu tríplice aspecto:
   Ciência,
   Filosofia,
   E Religião, fundamentam-se na moral do Cristo, que é a mais elevada expressão da Ética.
A concepção de Deus - justo e misericordioso para com todos os seus filhos, como a "inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas"; a certeza da vida futura e o conhecimento do mundo espiritual, confirmados, através da mediunidade, pelas comunicações dos Espíritos:
   A origem,
   Evolução e destinação do Espírito imortal,
   A pluralidade das existências e dos mundos habitados,
   A concepção espírita das penas e gozos terrestres e futuros,
   O princípio de responsabilidade decorrente do exercício do livre-arbítrio,
   A compreensão da justiça e da misericórdia divinas pelo funcionamento da lei de causa e efeito...
... Repercutem na consciência moral do homem, levando-o a formular e praticar uma nova filosofia de vida, uma nova conduta ética.
Nas Leis Morais, da Parte 3 de O Livro dos Espíritos, a Ética Espírita apresenta-se em sua plenitude.
No capítulo 1, Kardec reúne o ensino dos Espíritos sobre a lei divina ou natural, examinando os caracteres e o conhecimento dessas leis; coloca as questões acerca do bem e do mal e apresenta (q. 648) a divisão da lei natural em dez partes (cap. II a XI), que compreendem as leis de:
   Trabalho,  
   Liberdade,
   Adoração,
   Igualdade,
   Progresso,
   Sociedade,
   Destruição,
   Reprodução,
   Conservação,
   E, por fim, a de justiça, amor e caridade.
Afirmam os Espíritos que:
"—   Essa última lei é a mais importante, por ser a que faculta ao homem adiantar-se mais na vida espiritual, visto que resume todas as outras."
Ainda sobre a última lei moral, Kardec enfatiza, na Conclusão (IV) de O Livro dos Espíritos:
"—   O progresso da Humanidade tem seu principio na aplicação da lei de justiça, de amor e de caridade, lei que se funda na certeza do futuro."
Além da questão acima (648), três outras merecem destaque, por seu significado ético:
621. Onde está escrita a lei de Deus?
—   Na consciência.
625. Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo?
—   Jesus.
647. A Lei de Deus se acha contida toda no preceito do amor ao próximo, ensinado por Jesus?
—   Certamente esse preceito encerra todos os deveres dos homens, uns para com os outros.
O Codificador termina o estudo das leis morais com a abordagem de um aspecto fundamental da Ética em geral e da Ética Espírita em particular: A Perfeição Moral.
As primeiras questões apresentadas tratam das virtudes e dos vícios. Indaga ele (q. 893) sobre qual a mais meritória das virtudes, e recebe por resposta:
"—   Toda virtude tem seu mérito próprio, porque todas indicam progresso na senda do bem. A sublimidade da virtude, porém, está no sacrifício do interesse pessoal em favor do próximo, sem pensamento oculto. A mais meritória é a que assenta na mais desinteressada caridade." (Grifamos.)
647. No exame das paixões, a resposta dos Espíritos à pergunta 907 esclarece que a paixão, em sua origem, não é má:
"—   A paixão está no excesso de que se acresceu a vontade, visto que o princípio que lhe dá origem foi posto no homem para o bem, tanto que as paixões podem levá-lo à realização de grandes coisas. O abuso que delas se faz é que causa o mal".
O egoísmo é o vício mais radical (q. 913), dele derivando todo o mal:
"—   Estudai todos os vícios e vereis que no fundo de todos há egoísmo. Quem quiser, desde esta vida, ir aproximando-se da perfeição moral, deve expurgar o seu coração de todo sentimento de egoísmo, visto ser o egoísmo incompatível com a justiça, o amor e a caridade. Ele neutraliza todas as outras qualidades."
Fénelon responde de forma admirável à indagação: Qual o meio de destruir-se o egoísmo? (q. 917). Eis alguns trechos do seu pensamento:
"—   De todas as imperfeições humanas, o egoísmo é a mais difícil de erradicar-se. O egoísmo se enfraquecerá à proporção que a vida moral for predominando sobre a vida material e, sobretudo, com a compreensão, que o Espiritismo vos faculta, do vosso estado futuro, real e não desfigurado por ficções alegóricas.".
No longo e elucidativo comentário sobre essa questão, Kardec afirma ser necessário combater o egoísmo na sua raiz:
"—   Pela educação, não por essa educação que tende a fazer homens instruídos, mas pela que tende a fazer homens de bem.
A educação, convenientemente entendida, constitui a chave do progresso moral".
Sobre a educação à luz do Espiritismo, Ney Lobo enfatiza: "A Ética Espírita é a argamassa que cimenta a Filosofia com a Educação Espírita, articulando-as funcionalmente num enlace perfeito e doutrinário: a Filosofia fornece a Ética para a Educação realizá-la."

3. Comportamento ético-espírita:

A Ética Espírita, aliando a fé à razão, e pelo seu caráter educativo, leva o homem, à mudança positiva de comportamento.
Daí a exortação do Codificador
"—   Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más".
Retomando o citado capítulo sobre a Perfeição Moral, encontramos o modelo de comportamento ético-espírita na questão 918, em que Kardec, no seu comentário, apresenta os caracteres do homem de bem e declara:
"—   Verdadeiramente, homem de bem, é o que pratica a lei de justiça, amor e caridade na sua maior pureza."
Ele desdobra esse tema no capítulo XVII de O Evangelho segundo o Espiritismo, descreve a conduta do homem de bem, e conclui - referindo-se aos bons espíritas - que o Espiritismo leva aos resultados por ele obtidos que:
"—   Caracterizam o verdadeiro espírita, como o cristão verdadeiro, pois que um o mesmo é que outro ". (Grifamos.)
A Ética Espírita foi enriquecida, no século XX, com o apostolado mediúnico de Francisco Cândido Xavier, através do qual a Espiritualidade Superior canalizou para o homem contemporâneo valiosas diretrizes de ordem comportamental, sob a visão evangélico-­doutrinária da Terceira Revelação.
Destacamos desse tesouro as mensagens de Emmanuel que compõem a série:
   Fonte Viva,
   Pão Nosso,
   Vinha de Luz.
   Caminho, verdade e Vida...
... Assim como as de André Luiz, cujo livro Conduta Espírita é um repositório de orientações a quantos queiram ter um comportamento ético cristão. Esta contribuição do Mundo Espiritual é acrescida pelas obras de Joanna de Ângelis sobre o homem integral e a psicologia profunda, psicografadas por Divaldo Pereira Franco.
O comportamento ético-espírita não pode limitar-se aos momentos em que estamos na Casa Espírita ou no atendimento às carências do próximo. Ele deve constituir o nosso modo de ser e de agir em todas as circunstâncias da vida.
Ao espírita compete manter uma conduta ética no cotidiano, em todas as relações que estabelece com o seu semelhante e a sociedade, ainda que em detrimento de seu interesse pessoal.
Cabe-lhe viver e exemplificar a conduta ética:
   No lar,
   Na política,
   Nos negócios,
   Na vida profissional,
   Na administração pública...
... Bem como nas outras situações apresentadas pelo Espírito André Luiz, consultando sempre a sua consciência, onde está escrita a lei de Deus.
Altivo Ferreira.
Texto básico da exposição feita no Painel "O Livro dos Espíritos - Princípios Filosófico-­Espíritas para uma nova Sociedade" no 4º ­Congresso Espírita Mundial, realizado em Paris, França, no dia 3 de outubro de 2004 (Estudo originalmente publicado na Revista Internacional de Espiritismo, Ano LXXX, No 02, Matão, Março 2005 e reproduzido [no Fórum Espírita] com autorização do autor).

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