A MENINA E O PÁSSARO
*** “... É preciso partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro da gente.” “Sem a saudade, o amor irá embora...” ***.
Era uma vez uma menina que tinha
um pássaro como seu melhor amigo. Ele era um pássaro diferente de todos os
demais: era encantado. Se a porta da gaiola estiver aberta, os pássaros comuns
vão embora, para nunca mais voltar... Mas o pássaro da menina voava livre e
vinha quando sentia saudades...
Suas penas também eram
diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares
estranhos e longínquos por onde voava. Certa vez, voltou totalmente branco,
cauda enorme de plumas fofas como o algodão. “Menina, eu venho de montanhas frias
e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da
lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que
cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que
eu vi como presente para você...” E assim ele começava a cantar as canções e as
estórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e
sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez ele voltou vermelho
como fogo, penacho dourado na cabeça. “Venho de uma terra queimada pela seca,
terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a
tristeza do sol que não se apaga. Minhas penas ficaram como aquele sol e eu
trago canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras
e ver a beleza dos campos verdes.”
A menina amava aquele pássaro e
podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isso
voltava sempre. Mas chegava sempre a hora da partida. Chorava a menina e
chorava o pássaro. E a menina pediu ao pássaro que não mais partisse. Eu vou
lhe contar um segredo, disse-lhe o pássaro: as plantas precisam da terra, os
peixes precisam dos rios, nós precisamos do ar... E o meu encanto precisa da
saudade. É aquela tristeza, na espera da volta, que faz com que minhas penas
fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudades. Eu deixarei de ser um
pássaro encantado e você deixará de me amar. Assim ele partiu.
A menina sozinha chorava de
tristeza à noite. E foi numa destas noites que ela teve uma ideia malvada. Se
eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá; será meu para sempre. “Nunca
mais terei saudades, e ficarei feliz.” Com estes pensamentos comprou uma linda
gaiola e ficou à espera.
Finalmente ele chegou
maravilhoso, com suas novas cores, com estórias diferentes para contar. Cansado
da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente o prendeu na gaiola
para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz. Foi acordar de
madrugada, com um gemido triste do pássaro. Ah! Menina... o que você fez?
Quebrou-se o encanto. Minhas penas ficarão feias e eu me esquecerei das
estórias... Sem a saudade, o amor irá embora...
A menina não acreditou. Pensou
que ele acabaria por se acostumar. Mas isto não aconteceu. O tempo ia passando,
e o pássaro ia ficando diferente. Caíram suas plumas, os vermelhos, os verdes e
os azuis das penas se transformaram num cinza triste. E veio o silêncio. Também
a menina entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite
ela chorava pensando naquilo que havia feito ao seu amigo... Até que não mais aguentou
e abriu a porta da gaiola.
“Pode ir, pássaro, volte quando
quiser...”. “Obrigado, menina. Eu tenho que partir. É preciso partir para que a
saudade chegue e eu tenha vontade de voltar.” “Longe, na saudade, muitas coisas
boas começam a crescer dentro da gente.” E o pássaro partiu. Voou para lugares
distantes. A menina contava os dias, e cada dia que passava a saudade
crescia... Que bom, pensava ela, meu pássaro está ficando encantado de novo...
E colocava flores nos vasos à
espera do seu amigo... Sem que ela percebesse, o mundo inteiro foi ficando
encantado como o pássaro. Porque, em algum lugar ele deveria estar voando. De
algum lugar, ele haveria de voltar. À noite, a menina ia para a cama com saudades,
mas também com a esperança do reencontro renovada. Ah! Mundo maravilhoso que guarda,
em algum lugar secreto do Universo, em plena liberdade, o pássaro encantado que
se ama... E que um dia, com certeza, vai voltar...
Walter de Carvalho com base em história de Rubem Alves, constante do livro A Menina e o Pássaro Encantado, ed. Loyola pela Equipe de Redação do Momento Espírita,
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