NOTA – Na questão 904 de O livro dos espíritos, Kardec faz
várias perguntas sobre a responsabilidade dos que escrevem para o público. Os
espíritos respondem comentando a responsabilidade dos autores quando se desviam
do dever de esclarecer e orientar, entregando-se as intenções exclusivamente
pessoais que em nada beneficiam os leitores.
ESCREVER • Emmanuel
Escrever dignamente: será isso tão-só guindar-se quem se
exterioriza, através das letras, às alturas literárias, fixando imagens com
palavras preciosas?
Certamente todos os escritores, ainda mesmo aqueles que se
caracterizam por sentido absolutamente hermético, são credores de respeito.
Lícito, no entanto, considerar que importa, acima de tudo,
escrever edificando.
Entendemos que a ideia gratificante materializada se destina
de preferência aos salões nobres, entre os quais transita, suscitando criações
educativas que honorificam a Humanidade. Isso, porém, não lhe suprime a função
em setores outros, com muito mais extensão de força, onde atende a objetivos
diferentes.
Observemos, de relance, os campos de experiência em que se
agitam milhões de seres, aguardando o pensamento que se lhes ajuste às
necessidades. Não encontramos aí os temas de simpósio ou os assuntos altamente
específicos, embora sempre dignos e indispensáveis.
Nessas linhas de provas e lutas edificantes identificamos a
fome de ideias renovadoras que derramam consolo e esperança, orientação e fé,
arrebatando corações às trevas da imponderação e da rebeldia. Letras que
traduzam apoio e socorro aos acidentados de ordem moral, a fim de que se
refaçam, escora aos que se arrastam na aflição, remédio aos enfermos do
espírito, salva-vidas aos náufragos da Terra, a se debaterem na pesada maré do
desequilíbrio, para que se firmem na praia da segurança.
Escrever, sim, mas saber o que escrevemos como escrevemos,
para que e para quem escrevemos. Porque o sentimento gera a ideia, a ideia
plasma o verbo, o verbo estabelece a ação e a ação cria o destino. À vista
disso, é preciso lembrar que de tudo quanto escrevemos, nos quadros de hoje, a
vida nos trará o reflexo claramente exato nas telas do amanhã.
LIÇÃO AOS MESTRES • J.
Herculano Pires (Irmão Saulo)
Eça de Queiroz, em páginas que enviou a Terra, depois da
morte, através da mediunidade admirável de Fernando de Lacerda, conta que a sua
bagagem literária foi considerada, na alfândega do além, como avariada.
Humberto de Campos, servindo-se da psicografia de Chico Xavier, advertiu que os
valores desprezados na Terra pelo escritor são os mais importantes no mundo espiritual.
Emmanuel confirma isso na mensagem ESCREVER, que se encerra
com uma síntese da mecânica da comunicação. Vemos, por essa síntese, que a
comunicação não é apenas transmissão de ideias, mas é também criação.
No processo que vai do sentimento à ação, criando o destino,
evidencia-se a pesada responsabilidade de quem escreve. O que mais importa no
ato de escrever não é o burilamento da forma, nem a descoberta, hoje obsessiva,
de novos caminhos estéticos. A originalidade artificial é flor de estufa. Só é
original o que brota espontâneo da faculdade criadora. E o sucesso literário ou
jornalístico nada vale se não determinado pelo esforço legítimo de servir,
enriquecendo o patrimônio espiritual da Humanidade.
A fascinação das conquistas imediatas alimenta a vaidade do
autor e perturba a sua visão da realidade maior. A vida passa rápida e a morte
o levará para o plano da introspecção, num mundo em que as aparências se
desfazem como as bolhas de ar. Mas o pior é que as obras ilusórias persistem no
plano terreno da ilusão, suscitando sentimentos que vão criar novos destinos e
desviar outras vocações de seu caminho certo.
A responsabilidade do autor, que na Terra se disfarça em
miragens estéticas, no além se desnuda aos seus olhos espirituais de maneira
indisfarçável.
Por isso podemos dizer que essa pequena mensagem de Emmanuel
é uma lição enviada do além aos mestres. Numa hora em que multidões ansiosas
procuram palavras de orientação e estímulo, o dever de quem escreve é atender a
essas exigências ao invés de explorar a desorientação geral.
Os mandarins da cultura moderna, refinados criadores de
artifícios que brilham nas letras como broches metálicos, e os exploradores do
sensacionalismo poderão encontrar nessa página de Emmanuel – se tiverem
humildade para tanto – a advertência oportuna de que necessitam.
Artigo
publicado originalmente na coluna dominical "Chico Xavier pede
licença" do jornal Diário de S.
Paulo, na década de 1970.
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