AS BODAS DE CANÁ – O QUE DIZ O EVANGELISTA JOÃO - ANÁLISE MÍSTICA

ESTUDOS DOS EVANGELHOS À LUZ DO ESPIRITISMO
[C. TORRES PASTORINO – ALLAN KARDEC]

AS BODAS DE CANÁ – O QUE DIZ O EVANGELISTA JOÃO - ANÁLISE MÍSTICA

João, 2:1-11
1. No terceiro dia, houve um casamento em Caná da Galileia, e achava-se ali a mãe de Jesus; 2. e foram convidados também Jesus e seus discípulos para o casamento. 3. Tendo acabado o vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: “Eles não têm mais vinho”; 4. Respondeu-lhe Jesus: “Que (importa isto) a mim e a ti, mulher? Ainda não chegou minha hora”; 5. Disse sua mãe aos serviçais : “Fazei o que ele vos disser”; 6. Ora, estavam ali colocadas seis talhas de pedra, das que os judeus usavam para as purificações, e continha cada uma duas ou três metretas; 7. Disse-lhes Jesus: “Enchei de água as talhas”. Eles as encheram até a borda; 8. Então lhes disse: “Tirai agora e levai ao presidente do banquete”. E eles o fizeram; 9. Quando o presidente do banquete provou a água tornada em vinho, não sabendo donde era (mas o sabiam os serviçais, que haviam tirado água), chamou o noivo; 10. e disse-lhe: “Todo homem põe primeiro o bom vinho, e quando os convidados se embriagaram então lhes apresenta o mais recente; mas tu guardaste o bom vinho até agora”; 11. Jesus fez esta primeira demonstração em Caná da Galileia, e manifestou sua doutrina, e seus discípulos acreditaram nele.

Grandes e profundos ensinamentos. Observemos de início, a sequência da manifestação dos ensinos relacionados pelo evangelista.
1.º dia (l.ª época) - a resposta de João Batista aos emissários do Sinédrio, exprimindo a personalidade pura, com todas as exigências burocráticas de uma sindicância.
2.º dia (2.ª época) - A apresentação de Jesus {a individualidade} aos discípulos, pelo Batista (a personalidade).
3.º dia (3.ª época) - Os discípulos de João seguem Jesus: abandono da personalidade para confiar-se à individualidade.
4.º dia (4.ª época) - Agrega-se à entrega a emoção (Simão) que tem o nome mudado para pedra ou rocha, porque aí se baseará o desenvolvimento da era de Pisces [PEIXES] (raio devocional), que é o emotivo, dirigido por Jesus.
5.º dia (5.ª época) - Interiorização no Jardim fechado (Galileia), levando consigo o intelecto (Natanael) e a intuição (Filipe).
6.º dia (6.ª época) - Meditação do ser unido a todos os seus veículos.
7.º dia (7.ª época) - As bodas ou o casamento do espírito reencarnado com o Espírito Eterno, em união mística, profunda e perene.
É deste último passo que trata o presente trecho evangélico, narrando-nos os pormenores que cercaram esse casamento entre os dois, essa Unificação perfeita.
As bodas realizam-se em Caná. Qanáh significa cana ou caniço, a planta que nasce reta para o alto, como uma flecha que está para disparar verticalmente. É a flecha da oração que elevará as vibrações, partindo do Jardim fechado.
Aproximando-se a hora do esponsalício, da união total, íntima e profunda, em que os dois serão uma só carne. (Gên. 2:24), a intuição (Maria) adverte a individualidade (Jesus) de que os discípulos (os convidados ao banquete espiritual) não têm vinho, isto é, ainda não possuem o conhecimento profundo do sentido das Escrituras. E a individualidade retruca que não é esse o caminho, e que ainda não chegou sua hora, ou seja, o momento do contato. Diz mais, que a intuição não deve dirigir-se a ela (individualidade): que temos nós com isso? mas sim à personalidade, aos veículos inferiores, aconselhando-os a obedecer à individualidade, para que ela possa agir.
Compreendendo a advertência, a intuição volta-se para os veículos interiores (os serviçais), que são o corpo físico e o duplo etérico (sensações), as emoções e o intelecto, que servem ao Espírito, à individualidade.
O Espírito, então, observa que ali se encontram seis talhas de PEDRA.
Esclareçamos o sentido dos termos.
PEDRA exprime a interpretação literal das Escrituras: Moisés recebeu os mandamentos gravados em pedras (Êx. 24:12,. 31:18, etc.).
ÁGUA simboliza a interpretação alegórica dessas mesmas Escrituras, o sentido extraído da letra: Moisés feriu a pedra e dela saiu água (Êx. 17:6).
VINHO é a Sabedoria profunda, o sentido simbólico (místico) e espiritual, que inebria os sedentos da Verdade, e que alegra o coração (Mente) da criatura (Salmo, 104:15) juntamente com a música, a mais sublime das artes (Ec. 40:20). Quando a doutrina não é pura, Isaías o revela com estas palavras: o teu vinho está misturado com água. (Is.1:22).
A narrativa evangélica é bastante clara: tomando as Escrituras Sagradas (talhas de pedra), Jesus manda que os serviçais (a personalidade) as encham de água (de interpretações alegóricas). Eles o fazem. E o fazem bem, enchendo até a borda. Esgotam os assuntos e as interpretações de que são capazes. Nesse momento, quando a personalidade está preparada, chega a individualidade (Jesus) e transforma a água em vinho, ou seja, transforma os ensinos alegóricos, em ensinos simbólicos, místicos, espirituais, cheios de sabedoria. Revela-lhes o que há de oculto na Palavra Sagrada.
Depois de fazê-lo, manda que levem essa Sabedoria (que proveio do coração), ao intelecto (o presidente do banquete), a fim de ser por este examinada, provada, saboreada e julgada racionalmente.
O intelecto maravilha-se diante daquela Sabedoria e mostra ao candidato à união (o noivo) que normalmente os homens não agem assim: o comum é dar-se aos convivas (às criaturas) uma boa doutrina, até que eles se embriaguem com ela (se fanatizem), e depois, então, quando querem aprofundar mais, colocam-lhe entre as mãos o vinho ordinário (ensinamentos medíocres) que são aceitos sem discernimento nem critério da razão, porque eles já estão embriagados e fanatizados.
Neste caso, porém, houve o inverso: foram sendo distribuídos vinhos mais ordinários (doutrinas simples e ingênuas) e só no final lhes é dada a Sabedoria profunda. O evangelista nota que o intelecto (o presidente do banquete) não sabia de onde provinha aquela sabedoria, mas sabiam-no os serviçais (a personalidade), que haviam colhido apenas a água da interpretação alegórica.
E realmente, ainda até hoje, o intelecto não se deu conta de que a Sabedoria Profunda vem do coração; e quando se diz isso, ele reluta em aceitar, porque, diz. o coração é apenas um aglomerado de células musculares, propulsoras de sangue. ... Como se o cérebro, intermediário do intelecto que raciocina, não fosse apenas um conglomerado de células nervosas... O intelecto ainda ignora que cérebro e coração são apenas pontes, e que, na realidade, o intelecto pertence ao espírito (personalidade) e a Mente pertence ao Espírito (individualidade).
O bom vinho que os convivas beberam, foi bebido exatamente na união mística, quando os segredos da amada são revelados ao amante, numa união total, em que o vinho permeia todas as células, levado pelo sangue: assim a Sabedoria penetra e impregna todos os escaninhos do ser, quando a criatura atinge a Consciência Cósmica. E o evangelista salienta em conclusão: esta foi a primeira demonstração da individualidade à personalidade (aos discípulos) revelando-lhes a Doutrina profunda. E os discípulos acreditaram. Depois da união do Espírito com o espírito, este se convence e se entrega incondicionalmente à evidência dos acontecimentos.

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