OS RESTOS MORTAIS • J. Herculano Pires (Irmão Saulo)

OS RESTOS MORTAIS  •  J. Herculano Pires (Irmão Saulo)

Há muitas expressões impróprias na linguagem humana. Quando falamos dos finados, daqueles que morreram, damos à morte um sentido absoluto que ela jamais possui. O que se finda com a morte não é o ser humano, mas apenas uma existência do ser imortal, numa breve passagem pelo plano físico. Mas a intuição da eternidade da vida gerou também algumas expressões acertadas. Ao falar de restos mortais, colocamos o problema da morte em seus devidos termos. Restos, nada mais do que restos de um processo biológico pelo qual o ser humano real se liberta do seu envoltório animal.
Que segurança queremos ter no frágil escafandro do corpo? Que abrigo nos pode dar a garantia de preservação diante do perigo? Em que espécie de refúgio poderemos escapar da morte? Não obstante, essa garantia que procuramos no exterior está em nós mesmos, em nossa própria natureza de seres imortais. A vida aparente extingue-se com a morte, mas a vida real nunca se extingue.
Geração e corrupção constituem os polos da existência física. Aquém de um e além de outro, a verdadeira vida se mantém inalterável. Trazemos essa verdade em nós como potência, mas precisamos transformá-la em ato na nossa consciência para podermos superar as ilusões do efêmero. Inútil querer agarrar-nos a uma vida que se esvai a cada minuto que passa. E chamamos a isso atitude positiva, quando a positividade está precisamente no contrário, na certeza de que nada nos pode livrar da morte corporal.
Mas temos uma tarefa a cumprir nesta breve existência. Temos de aprender a confiar no espírito. E para isso precisamos desenvolver as nossas faculdades espirituais. O egocentrismo exagera o instinto de conservação. Mas as guerras, os flagelos, os catalismos esmagam o nosso egoísmo e nos obrigam a sair de nós mesmos e nos tornarmos capazes das virtudes heroicas que nos elevam acima de nós mesmos. Foi isso que o Cristo ensinou ao dizer que os que se apegam à vida perdê-la-ão, mas os que a perderem por amor à verdade, a encontrarão.
A morte não é o fim. Nunca seremos finados. A morte é apenas a passagem de uma condição perecível para a incondição da verdadeira vida. 

Artigo publicado originalmente na coluna dominical "Chico Xavier pede licença" do jornal Diário de S. Paulo, na década de 1970.

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