O CREDIÁRIO DA MORTE - J. Herculano Pires

O CREDIÁRIO DA MORTE • J. Herculano Pires (Irmão Saulo)

A morte só existe para os que querem morrer. A necrofilia ou o amor da morte – no sentido negativo da palavra – é uma doença mental e psíquica, uma tendência mórbida de certos temperamentos, hoje bem definida em psicologia. Não se trata da aberração sexual a que se aplicava a palavra tempos atrás, mas daquela “aberração da inteligência”, a que se referia Allan Kardec, que leva o indivíduo a negar a sua própria capacidade de viver e de sentir a vida.
Todo aquele que gosta de destruir e se destrói a si mesmo, aniquila as suas próprias forças vitais e mata as esperanças de vida que os outros acalentam e defendem, é necrófilo. Sabemos que a morte não existe, porque nada se acaba, tudo se transforma. O aniquilamento total do ser pelo simples fenômeno da morte – um fenômeno biológico de mutação – não pode mais ser admitido por uma pessoa ilustrada, pois o avanço atual do conhecimento positivo superou de muito as ilusões negativas do materialismo.
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Apesar dessa inegável realidade nova, os necrófilos se apegam à ideia da morte como aniquilamento total do ser. E por isso se desesperam, entregando-se à própria destruição, apressando a própria morte “no visco de sombra em que se enredaram”, segundo a expressão de Emmanuel. E entregando-se ao ceticismo autodestruidor, compram a morte por antecipação, no crediário “do desespero e das aflições inúteis”. São esses os “quase mortos” pelos quais os “mortos”, no Dia de Finados, oram do lado de lá da vida.
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A oração de Emmanuel pelos “quase mortos” não é uma peça de efeito religioso ou literário. É um sinal dos tempos, revelando-nos que, do outro lado da vida, aqueles que em nossa ignorância chamamos de mortos velam pelos “quase mortos“ da Terra e pedem a Deus por eles. O verdadeiro morto não é o que deixou seu corpo no túmulo, mas o que se serve do corpo para viver na Terra como um morto ambulante. Que essa oração nos lembre as palavras de Isaías: “Os teus mortos viverão!”

Artigo publicado originalmente na coluna dominical "Chico Xavier pede licença" do jornal Diário de S. Paulo, na década de 1970.[ Walter de Carvalho]

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