AUTORRETRATO E MARTELADA FINAL

AUTORRETRATO E MARTELADA FINAL

ANÁLISE da pergunta 919 de O Livro dos Espíritos que refere-se ao meio mais eficaz de nos melhorarmos. A resposta é dada por Santo Agostinho, que encarece a importância de nosso exame diário de consciência sobre o que fizemos e dissemos durante o dia. 

AUTORRETRATO•Albino Teixeira

Sempre que a nossa palavra: censura;
justifica;
levanta;
rebaixa;
deprecia;
louva;
depreda;
restaura;
complica;
auxilia;
apoia;
fere; abençoa ou condena seja a quem for, estamos fazendo o nosso próprio retrato. E isso acontece porque sendo as atitudes, os pensamentos, as ideias, as emoções, os planos e as intenções dos outros, realidades dos outros – cujas origens autênticas não conseguimos penetrar –, toda vez que nos referimos aos outros estamos sempre efetuando a projeção parcial ou total de nós mesmos.

MARTELADA FINAL•J. Herculano Pires (Irmão Saulo)

Albino Teixeira não perdeu tempo. Diante das confusões do diálogo humano sobre a palavra, deu um aparte rápido, desfechou a martelada final. Nada mais disse nem lhe foi perguntado. A mensagem incisiva acertou no meio do alvo. A palavra é projeção da alma. A gente fala do que o coração está cheio, diz o provérbio.
Emmanuel, no seu livro Pensamento e vida, explica a mecânica da palavra: que vai da percepção à sensação, desta à emoção e desta ao pensamento e à expressão verbal. Como se vê, a sabedoria popular está certa, pois a palavra nasce do coração. Pensamos o que sentimos e falamos o que pensamos.
Santo Agostinho diz, na sua resposta a Kardec, que Deus colocou os inimigos ao nosso lado como espelhos, pois eles dizem o que sentem a nosso respeito sem o disfarce piedoso dos amigos. Albino Teixeira considerou a palavra como autorretrato parcial ou total. Ambos mostram-nos a importância da palavra como forma de revelação do que somos. Os inimigos dão-nos o seu próprio retrato nas ofensas que nos dirigem, mas como refração do retrato pessoal que lhes demos em nossas palavras.
O palavrão empregado como catarse, como desabafo, não é apenas isso. É também confissão das sujeiras que trazemos por dentro. E confissão não basta para limpar a lama. Não podemos esquecer que as modernas teorias da desinibição partem de psicólogos materialistas que nada entendem dos problemas da alma, que consideram os problemas psíquicos em termos de reflexos orgânicos. A própria parapsicologia atual condena essas psicologias sem alma que perdeu o seu objeto, como lembrou o prof. Rhine, classificando-as como simples ecologias, estudos da relação entre sujeito e meio.
No outro extremo do assunto, temos o farisaísmo da palavra fingida, adocicada a ponto de dar enjoo. Nem tanto ao sal, nem tanto ao açúcar. No meio é que está o certo, a dosagem correta. Por isso ensinou Jesus: "Seja o teu falar sim, sim; não, não." Nossa palavra tem de ser sincera, mas evitando os extremos. Mesmo porque a palavra tem força. Se nos habituarmos às más palavras, elas nos arrastarão na enxurrada, deixando-nos cada vez piores. Se nos habituarmos às palavras boas, sensatas e firmes, elas consolidarão o que temos de bom e nos ajudarão a melhorar.

Artigo publicado originalmente na coluna dominical "Chico Xavier pede licença"  do jornal Diário de S. Paulo, na década de 1970.

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