O Passe II – por José
Herculano Pires
II — Magia e religião
O
passe nasceu nas civilizações da selva como um elemento de magia
selvagem, um rito das crenças primitivas. A agilidade das mãos em
fazer e desfazer as coisas, sugeria a existência, nelas, de poderes
misteriosos, praticamente comprovados pelas ações cotidianas da
fricção que acalmava a dor, da pressão dos dedos estancando o
sangue ou expulsando um espinho ou o ferrão de uma vespa ou o veneno
de uma cobra. Os poderes mágicos das mãos se confirmavam também
nas imprecações aos deuses, que eram simplesmente os espíritos. As
bênçãos e as maldições foram as primeiras manifestações
típicas dos passes. O selvagem primitivo não teorizava, mas
experimentava instintivamente e aprendia a fazer e desfazer com o
poder das mãos. Os deuses o auxiliavam, socorriam, instruíam em sua
manifestações mediúnicas naturais. A sensibilidade mediúnica
aprimorava-se nas criaturas mais sensíveis e assim surgiram os
pajés, os feiticeiros, os xamãs, os mágicos terapeutas, curadores.
A
descoberta do passe acompanhava e auxiliava o desenvolvimento do
rito, da linguagem e da descoberta de instrumentos que aumentavam o
poder das mãos. Podemos imaginar, como o fez André Lang, um homem
primitivo olhando intrigado o emaranhado de riscos da palma de sua
mão, sem a mínima idéia do que aquilo poderia significar. Seus
descendentes iriam admitir, mais tarde, que ali estavam traçados os
destinos de cada criatura. O mistério da mão humana foi um elemento
essencial do desenvolvimento da inteligência e especialmente da
descoberta lenta e progressiva, pelo homem, do seus poderes internos.
Dos tempos primitivos até aos nossos dias, a mão é o símbolo do
fazer que nos leva ao saber. Enquanto a Lua, o Sol, as Estrelas
atraíam os homens para o mistério do cosmos a mão os levava a
mergulhar nas profundezas da natureza humana.
Dessa
dialética do interior e do exterior nasceram a Magia e a Religião.
A Magia é prática, nasceu das mãos e funcionava através delas. A
Religião é teórica, nasceu dos olhos, da visão abstrata do mundo
e funciona no plano das idéias. Na Magia, os homens submetem os
deuses ao poder humano, obrigam a Divindade a obedecê-los, a fazer
por eles. Na Religião, os homens se submetem aos deuses, suplicam a
proteção da Divindade. Mas, apesar dessa distinção, as religiões
não se livraram dos resíduos primitivos das fórmulas mágicas.
Todas as Igrejas da atualidade, mesmo após as reformas recentes,
apegam-se ao fazer dos mágicos, através de seus sacramentos. O
exemplo mais claro disso é o sacramento da Eucaristia, na Igreja
Católica, pelo qual o sacerdote obriga Deus a materializar-se nas
espécies sagradas da hóstia, para que o crente possa absorvê-lo e
purificar-se com a sua ingestão.
No
Espiritismo os resíduos mágicos não podiam existir, pois trata-se
de uma doutrina racionalista, mas o grande número de adeptos
provindos dos meios religiosos, sem a formação filosófica e
científica da Doutrina, carreiam esses resíduos para o nosso meio,
numa tentativa de padronização de práticas espíritas e de
transformação dos passes num fazer dos médiuns e não dos
espíritos. É tipicamente mágica a atitude do médium que pretende,
com sua ginástica, limpar a aura de uma pessoa ou limpar uma casa.
As tentativas de cura através desses bailados mediúnicos revela
confiança mágica do médium no rito que pratica. Por isso Jesus
ensinou simplesmente a imposição das mãos acompanhada da oração
silenciosa. As orações em voz alta e em conjunto é também um
resíduo mágico, pelo qual se tenta obrigar a Deus ou aos Espíritos
a atenderem os clamores humanos. A religião racional e portanto
consciente baseia-se na fé esclarecida pela razão, que não
comporta de maneira alguma essas e outras práticas formais e
carregadas de misticismo igrejeiro.
Comentários